O que seria um beijo de boa noite acabou sendo um beijo na boca.
Ignorei, tinha que ir para casa. Estava habituado a sair do trabalho e ir
direto para casa.
Segui meu destino
leve, oscilando ao sabor do beijo e ajuizando sobre um assunto delicado:
violência domestica. Refiro-me especificamente à agressão involuntária nos
relacionamentos, que são ocorrências perigosas e merecem atenção; porém é
comum, por isso são ignoradas. Nos relacionamentos ocorrem muitos tipos de
ameaças, que são relevadas, porque existe muita cumplicidade entre o casal ou a
família. A separação também é uma ameaça que assusta; assim vão levando.
Sexo contra a
vontade do parceiro, isolamento, falta de atenção, grosseria... Percebemos que
um casamento chegou ao fim, quando o companheiro dorme; quando dorme sozinho
dia após dia sem se preocupar-se se o outro está bem ou não, ou quando se
conforma com a solidão e se acomoda. Chega a um ponto em que se dá razão ao
outro por se achar que é merecedor do sofrimento.
Particularmente, me
preocupa o ato sexual. Acredito que seja a mais comum e a mais agressiva dentre
as diversas formas de agressão. As pessoas se agridem ou se deixam ser
violentadas com frequência. Cometem ou se submetem às agressões por medo, por
compromisso, por gratidão ou por medo inconsciente da solidão.
O solitário se agride com a falta de sexo, ou
se permite sexo casual ou comprado. No fundo, todos se agridem quando não ama
ou não é amado. Conheço caso de pessoas que não suportam seus parceiros, e que,
no entanto, cumprem o ritual de transar por compromisso, por obrigação. Nem
sequer podem pensar em outro, pois, segundo as normas religiosas, é pecado e
traição. Outros fingem para a sociedade que, vivem em harmonia, formam uma
família feliz, é um casal apaixonado, entretanto nem ao menos se tocam. Outros
se entregam às orgias, se lambuzam e se esforçam para esconder que sentem nojo
dos parceiros. Que vida!
Vejo, por aí, nas
fisionomias de muitas mulheres, transparecer uma alegria sem viço, uma
sombra de desilusão, e uma grande chama de desejo e urgência de carinho. Fogo e
gelo; tudo em chamas ardendo na mesma fogueira. As mulheres se arrumam, se
enfeitam e se perfumam, para camuflar uma tristeza crônica.
A tristeza fica
esquecida quando uma pessoa se fantasia; e a melhor fantasia é esconder-se em
si mesmo. Observo pelas brechas da vaidade a feiura escondida e a verdadeira
beleza sufocada. Nada é real, nem os sorrisos, nem as lamúrias. O que é
verdadeiro é o oculto, que no vacilo transcende dos vãos da camuflagem. As
mulheres se produzem graças ao instinto solidário e protetor, para que a vida
não vá se descolorindo e o mundo se faça totalmente em trevas. Vez ou outra,
uma mulher que se despe. Como é linda a mulher autêntica, transparente, nua!
Como é bom conhecê-las.
Já, o homem nunca
tira a armadura. Depois de armar-se e esconder-se na caverna da mentira é o
senhor ninguém, vencedor inatingível, jamais se reconhece vencido. Quando
ocorre se joga no precipício.
Já fui além desse estágio. Nas páginas em branco construo uma caverna e
me escondo.
(Do livro: Um minuto, por favor!, por Poetray)
