Abraçara-me, primeiro com os olhos _ luz divina
_, depois com abraços e, sabe-se lá quais, pensamentos. E oferecendo-me os
lábios à espera do melhor beijo acomodara-me no colo aconchegante. Oferecera-me
os belos seios como fosse eu tua criança. Dera-me tudo, sem restrições, e com
carinho alimentava-nos de esperanças.
Esperança que jorrava da tu'alma purificadora _
fonte cristalina. Eu, ambicioso e cruel, lhe abria o coração a verbos defectivos causativos e anômalos _
navalha afiada, essa língua impiedosa, sem compaixão. Palavras silentes que rasgam,
rasgam, rasgam...
Alimentei teus sonhos, despretensiosamente te
cobrindo de ilusões...
Devias ter-me deixado à míngua, morrer de
ansiedade, me negando o nécta da felicidade. Não, não devias imortalizar-me como
fizera. Pobreza e desamparo, e o manjar místico de quimeras às almas soturnas. Amaste
até minha excêntrica soturnidade. Por isso, mais e mais te admiro: tens uma
maliciosa ingenuidade.
Por isso, e muito mais. Mas que amigo! bem mais,
tu sabes, bem mais. Mais que amante... Dois bobos em humílima disposição para o
espanto e encantamento.
Vampiro. Eu vampiro, tu borboleta. Tendo a
nosso dispor a boceta de pandora e o brinquedo, onde encerra todos os males,
contudo, igualmente a única cura.
O lado negro da magia sobrepõe-se à beleza
singela da inocência _ essa borboleta dos lamaçais pós-chuva de verão. Devias
ter-me deixado ao vento, vagando nos céus, nu de estrelas; devias. Ambos
admirando a lua, inexistentes. Mas o homem pertence à vida, assim como a vida
ao homem.
Todos dizem "eu te amo" ultimamente;
eu não, não mais. Mas teu olhar clínico o percebe: amor oculto _ nunca secreto
_ de vampiro faminto, indolente, indiscreto, de alma obscura. Uma poça para o
teu breve voejo.
É pena
que tu sejas sol, e a vida fizera-me de natureza soturna. Um eclipse, talvez, o tempo que a felicidade perdure.
Texto extraído do livro "Um Minuto, Por Favor!", em fase de conclusão.